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Feminicídio: Não se nasce mulher, morre-se!

CIDADES PARA MULHERES

Os elementos urbanos também fazem parte dos fatores que precisam ser pensados a partir de uma perspectiva de gênero.

Existem outros fatores além do fato de ser mulher que agravam a violência até o ponto de ela se tornar letal, e eles estão ligados às condições socioeconômicas e de moradia dessas mulheres. O território onde elas vivem e o espaço público que ocupam estão associados à violência que sofrem, mesmo nos casos domésticos.

É garantido pela Constituição nosso direito de ir e vir, mas o medo muitas vezes impede que mulheres façam algum trajeto ou frequentem certo espaço.

Há um conjunto de características urbanas que facilitam sua proteção, que seriam levadas em conta se o espaço urbano fosse pensado também a partir do gênero.

Bairros onde você tem muita circulação, em que as ruas são largas e é possível passar uma ambulância ou um carro da polícia se necessário, onde há facilidade de acessar a internet e os telefones funcionam e onde existem pontos de ônibus são mais seguros, porque as mulheres vivem num ambiente onde elas podem pedir socorro.

“Se eu sofrer ameaça de agressão do meu namorado dentro de casa, primeiro eu posso interfonar para o porteiro, porque eu moro num prédio e existe um porteiro a quem eu posso pedir ajuda.

Se ele não me atender, posso sair de casa e bater na porta da vizinha. Se ela não estiver em casa, eu posso descer e ir de apartamento em apartamento, porque são vários. Se ninguém me atender, posso ir pra calçada e gritar, porque moro num bairro movimentado.

O quartel da polícia militar fica a duas quadras da minha casa, então num perigo eu posso ir correndo até lá, e moro ao lado de um hospital. Então tem um conjunto de elementos urbanos que protegem a mulher”, exemplifica Ana Paula.

“Medidas de urbanização são necessárias em áreas precárias onde a mulher está mais vulnerável”, afirma.

É preciso identificar como as estruturas urbanas favorecem e dificultam a proteção das mulheres, e entender que elas não se dividem necessariamente entre bairros ricos e pobres.

“Eu dei o exemplo das Graças, onde moro, que é um bairro com características de urbanidade que metade do Recife já perdeu”, diz Ana Paula, “mas um bairro como Setúbal ou como o Espinheiro oferece muito menos proteção geral e pras mulheres do que as Graças, porque as ruas são aqueles corredores de muralhas dos prédios, não tem gente na rua, não tem ponto de ônibus, é muito escuro, e eles são bairros ricos”.

O planejamento precisa ir além, criar uma concepção de cidade que favoreça o encontro e permanência das pessoas na rua, que misture comércio e residência, diferentes formas de locomoção como carro, ônibus, bicicleta.

“Essas são medidas que diminuem os riscos de violência, tanto de assalto quanto de assassinato e violência doméstica. O isolamento em casa ou dentro do carro, isso é o que produz risco”, completa.

Antes de assumir o cargo de chefe de gabinete da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Carmen Regina Ribeiro trabalhou por 25 anos no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba: “Lá nós discutíamos muito essa questão da relação entre a violência e os espaços urbanos favoráveis a ela.

Quanto mais escuro é, quanto mais precária a infraestrutura urbana, mais fácil a proliferação da criminalidade. Se você urbaniza a área, asfalta a rua, faz calçada, passa linhas de ônibus, inibe um certo tipo de violência”, explica. “Claro que o centro de Curitiba tem todas essas características, mas é o lugar onde mais se bate carteira, porque é um tipo de crime específico.

Mas não é um beco escuro, onde a mulher tem mais chances de ser estuprada”. Para Carmen, precisamos pensar a saúde e a segurança pública e o urbanismo, entre outros fatores, de forma global, e não de forma setorizada, como se costuma trabalhá-las.

A setorização faz que com se cometam erros que poderiam ser evitados se todas as variáveis e particularidades fossem consideradas. “Aqui em Curitiba, foi instalada uma trincheira para facilitar a locomoção de um lado a outro de uma comunidade.

A escola ficava de um dos lados e as adolescentes que trabalhavam durante o dia e estudavam no período da noite precisavam atravessá-la. Aquele acabou virando um local diagnosticado como propício para o estupro.

Os pais relatavam que iam toda noite até a boca da trincheira para esperar suas filhas e levá-las para casa. Então, às que não tinham pai ou mãe para acompanhá-las restava ou deixava de estudar ou se arriscar todas as noites”, conta Carmen. “Muitas vezes uma medida que traz uma solução de logística causa uma situação dessas.

Quando você pensa em planejamento urbano, você tem que pensar todas essas coisas ao mesmo tempo”.

O pensamento do espaço urbano a partir da perspectiva de gênero é considerado por muitas organizações e estudiosas um dos principais passos para prevenir a violência contra as mulheres a longo prazo, aliado a medidas como aumento do acesso delas à renda, maior escolaridade e acesso à informação.

Para isso, iniciativas como Cidades Seguras para as Mulheres, coordenada pela Action Aid, lutam internacionalmente por serviços públicos de melhor qualidade, como transporte, iluminação de vias públicas, educação, policiamento e moradia.

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