A última caçada – CartaCapital

Sociedade

A última caçada

Vítima de “bullying político”, o caçador Claudionor Galvão de Oliveira decidiu se vingar de seus opositores em Jussiape, no interior da Bahia

Por CartaCapital 22.12.2012 11h31 Seja de dia ou de noite, é difícil ver gente em Jussiape. A cidade só tem movimento aos sábados. Foto: Mário Bittencourt Apoie Siga-nos no

Por Mário Bittencourt, de Jussiape (BA)

Nascido e criado em Jussiape, município de 7,5 mil habitantes situado na Chapada Diamantina (BA), o caçador Claudionor Galvão de Oliveira, de 43 anos, nunca desejou entrar para história, até sentir medo de perder seu ganha-pão – um quiosque em praça pública da cidade – e não suportar ouvir piadas de opositores políticos que realizavam uma espécie de bullying contra ele.

O inferno astral de Coló, como era conhecido Claudionor, começou em junho de 2010, quando o então prefeito, Vagner Neves (PTB), que apoiava, foi cassado pela Câmara de Vereadores por quebra de decoro – subiu na tribuna da Casa de short e sem camisa e chamou os parlamentares de “ladrões”, segundo o então presidente da Câmara, Gilberto Freitas (PSC), 44 anos. Com a cassação, o vice Procópio de Alencar (PDT), 75 anos, assumiu a vaga. E mudou de lado.

A situação piorou em 2012 com a derrota da candidata Vânia de Alencar (PMDB), esposa de Vagner e para quem Coló fez campanha. Procópio, com Gilberto de vice, foi reeleito. Além da derrota política, Coló amargou a perda de um “Gol quadrado” numa aposta e viu de perto a possibilidade de ter cassada a concessão de 15 anos de exploração do quiosque dada por Vagner em 2009. Comprou de volta o veículo por 3 mil reais. Mas o que deixou Coló mais furioso foi o “bullying político”.

Relatos de moradores dão conta que, passadas as eleições, todos os dias tinham piadas: “Coló vai perder a concessão do quiosque”; “Perdeu o carrão na aposta em Coló”; “Coló, vai pro mato e fica lá, você não vai mais ter do que viver mesmo…”. O carro de som da campanha de Procópio, mesmo com o fim da campanha, segundo a polícia, não parou de rodar e passava na rua de Coló até com músicas direcionadas a ele.

Nervoso com as piadas, com o carro de som e com medo de perder o quiosque, o caçador decidiu fazer “uma desgraceira na cidade”, conforme revelou ao amigo Jacinto Gomes dos Santos, 56 anos, vigilante, e que não levou Coló a sério. O caçador escolheu o sábado, dia mais movimentado em Jussiape por conta da feira, para fazer a matança. Municiou a cartucheira calibre 32 e o revólver adaptado para balas de pistola 357, botou embaixo do braço uma sacola com um facão e uma faca dentro, e trançou ao corpo três cinturões de balas.

Brincou com o filho de 4 anos de uma vizinha e passou na casa da mãe para avisar que iria “fazer uma caçada”. Em direção à casa de Procópio, viu o gerente da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), Oderlange Novaes, 46 anos, no bar “K te espero”, onde entrou e na saída disparou na cabeça da vítima, que morreria dentro de uma ambulância.

Enquanto a correria e o desespero começavam na cidade, Coló ia andando para a casa de Procópio. No caminho, viu a primeira dama Jandira Alencar, 71 anos. Atirou na cabeça. Jandira se mexeu, ele deu outro tiro. Foi ao consultório médico de Procópio, ao lado da casa do gestor. Coló mandou todo mundo sair. Ainda houve tempo para uma discussão, antes dos dois tiros na cabeça que mataram o prefeito.

E continuou a caça…

Na feira, Coló viu o policial militar Miquéias Lopes, 29 anos, e o baleou na perna direita. Segundo moradores, disse ao PM: “Não é vocês que eu quero”, e deu as costas. Outro policial correu para pedir reforço de PMs de cidades vizinhas. Em seguida Coló avistou Albênio Novaes, 44 anos, irmão de Oderlange. Albênio também o viu. “Ele mirou a espingarda, abaixei e sai correndo”, declarou Albênio, que se escondeu num comércio.

O caçador foi à casa de Sílio Luz, ex-prefeito de Jussiape, não o encontrou. Seguiu para a casa de Gilberto, vice eleito de Procópio. Não o encontrou. Se dirigiu à casa de Nadir Freitas, 82 anos, pai de Gilberto. Encontrou o idoso sentado na varanda, mirou a espingarda na cabeça, mas recuou após atender ao pedido de um neto de Nadir: “Por favor, não mate meu avô”, e Coló disse, segundo o idoso: “Só não te mato porque seu neto está pedindo”.

Foi à casa de um homem de prenome Edson, não o encontrou e voltou a casa de Nadir, arrependido de não tê-lo matado. Deu viagem perdida. O caçador olhou para praça, só viu gente que não queria matar, resolveu ir ao seu quiosque pegar um refrigerante. Sentou-se num banco, conhecidos se aproximaram para pedir que parasse a matança e fugisse. Coló não deu ouvidos, tomou goles do refrigerante e observou o lavrador Djalma Ribeiro, 43 anos, vindo de moto.

“Quando me viu, mandou parar e disse: ‘me leve ali. Já matei três e não tente fugir que atiro em você’”, contou Djalma. Coló tentou encontrar João Batista, 56 anos, que estava escondido no quarto, ao lado do posto de gasolina. “Volto aqui pra por fogo no posto, Batista”, disse Coló. Foi pra casa de Gileno Carvalho, 41 anos, que andava com o carro de som de Procópio. O caçador disse a conhecidos que a sacola com o facão era para, após matar Gileno, arrancar a cabeça dele e expô-la na praça da feira.

Sabendo da matança, Gileno fugiu pelos fundos da casa. Coló arrombou a porta e o procurou até embaixo da cama. Djalma pensou em fugir, desistiu. Voltaram para a praça. Já pensando numa fuga, Coló tentou abrir uma caminhonete D20 carregada de frutas e legumes. O reforço policial chegou. A uma distância de 20 metros, Coló observou o policial Givanildo Alves, 31 anos, descer da viatura e, com um tiro de espingarda, o atingiu na cabeça – o PM ainda está em coma induzido.

Coló ficou atrás de Djalma e tentou recarregar a cartucheira. Foi o tempo de um PM disparar um tiro de fuzil que atravessou a clavícula de Djalma e atingiu Coló no ombro esquerdo. Por pouco a PM da Bahia não fez a quarta vítima da matança. No chão, Coló recebeu um tiro de fuzil na boca e outro no coração. Após uma hora em que Jussiape foi dele, o caçador morreu como os animais que abatia. Djalma está no Hospital de Base em Vitória da Conquista (sudoeste baiano) se recuperando bem do ferimento.

Coló não teve velório. A mulher, assim que o corpo chegou, mandou que o enterrasse por medo de a população se revoltar e invadir o funeral. No mesmo dia, porém, alguém surtou e tentou por fogo no corpo do caçador. Sem êxito. Já o velório de Procópio e Jandira atraiu a presença do governador Jaques Wagner (PT) e do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo (PDT).

O governo reforçou a segurança em Jussiape, colocando por três dias 25 policiais militares e deixando até dia 1º de janeiro de 2013 onze homens da PM na cidade, incluindo aí os três fixos que lá já tinham. Mandou também uma viatura semi-nova. O atual prefeito de Jussiape, Gilberto Freitas, achou pouco. A família de Coló não vai mais morar na antiga casa porque a filha dele de 10 anos não entra mais lá – Coló deixou ainda um filho de 17. “A menina era muito apegada a Coló, e ele a ela”, contou a viúva.

Por Mário Bittencourt, de Jussiape (BA)

Nascido e criado em Jussiape, município de 7,5 mil habitantes situado na Chapada Diamantina (BA), o caçador Claudionor Galvão de Oliveira, de 43 anos, nunca desejou entrar para história, até sentir medo de perder seu ganha-pão – um quiosque em praça pública da cidade – e não suportar ouvir piadas de opositores políticos que realizavam uma espécie de bullying contra ele.

O inferno astral de Coló, como era conhecido Claudionor, começou em junho de 2010, quando o então prefeito, Vagner Neves (PTB), que apoiava, foi cassado pela Câmara de Vereadores por quebra de decoro – subiu na tribuna da Casa de short e sem camisa e chamou os parlamentares de “ladrões”, segundo o então presidente da Câmara, Gilberto Freitas (PSC), 44 anos. Com a cassação, o vice Procópio de Alencar (PDT), 75 anos, assumiu a vaga. E mudou de lado.

A situação piorou em 2012 com a derrota da candidata Vânia de Alencar (PMDB), esposa de Vagner e para quem Coló fez campanha. Procópio, com Gilberto de vice, foi reeleito. Além da derrota política, Coló amargou a perda de um “Gol quadrado” numa aposta e viu de perto a possibilidade de ter cassada a concessão de 15 anos de exploração do quiosque dada por Vagner em 2009. Comprou de volta o veículo por 3 mil reais. Mas o que deixou Coló mais furioso foi o “bullying político”.

Relatos de moradores dão conta que, passadas as eleições, todos os dias tinham piadas: “Coló vai perder a concessão do quiosque”; “Perdeu o carrão na aposta em Coló”; “Coló, vai pro mato e fica lá, você não vai mais ter do que viver mesmo…”. O carro de som da campanha de Procópio, mesmo com o fim da campanha, segundo a polícia, não parou de rodar e passava na rua de Coló até com músicas direcionadas a ele.

Nervoso com as piadas, com o carro de som e com medo de perder o quiosque, o caçador decidiu fazer “uma desgraceira na cidade”, conforme revelou ao amigo Jacinto Gomes dos Santos, 56 anos, vigilante, e que não levou Coló a sério. O caçador escolheu o sábado, dia mais movimentado em Jussiape por conta da feira, para fazer a matança. Municiou a cartucheira calibre 32 e o revólver adaptado para balas de pistola 357, botou embaixo do braço uma sacola com um facão e uma faca dentro, e trançou ao corpo três cinturões de balas.

Brincou com o filho de 4 anos de uma vizinha e passou na casa da mãe para avisar que iria “fazer uma caçada”. Em direção à casa de Procópio, viu o gerente da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), Oderlange Novaes, 46 anos, no bar “K te espero”, onde entrou e na saída disparou na cabeça da vítima, que morreria dentro de uma ambulância.

Enquanto a correria e o desespero começavam na cidade, Coló ia andando para a casa de Procópio. No caminho, viu a primeira dama Jandira Alencar, 71 anos. Atirou na cabeça. Jandira se mexeu, ele deu outro tiro. Foi ao consultório médico de Procópio, ao lado da casa do gestor. Coló mandou todo mundo sair. Ainda houve tempo para uma discussão, antes dos dois tiros na cabeça que mataram o prefeito.

E continuou a caça…

Na feira, Coló viu o policial militar Miquéias Lopes, 29 anos, e o baleou na perna direita. Segundo moradores, disse ao PM: “Não é vocês que eu quero”, e deu as costas. Outro policial correu para pedir reforço de PMs de cidades vizinhas. Em seguida Coló avistou Albênio Novaes, 44 anos, irmão de Oderlange. Albênio também o viu. “Ele mirou a espingarda, abaixei e sai correndo”, declarou Albênio, que se escondeu num comércio.

O caçador foi à casa de Sílio Luz, ex-prefeito de Jussiape, não o encontrou. Seguiu para a casa de Gilberto, vice eleito de Procópio. Não o encontrou. Se dirigiu à casa de Nadir Freitas, 82 anos, pai de Gilberto. Encontrou o idoso sentado na varanda, mirou a espingarda na cabeça, mas recuou após atender ao pedido de um neto de Nadir: “Por favor, não mate meu avô”, e Coló disse, segundo o idoso: “Só não te mato porque seu neto está pedindo”.

Foi à casa de um homem de prenome Edson, não o encontrou e voltou a casa de Nadir, arrependido de não tê-lo matado. Deu viagem perdida. O caçador olhou para praça, só viu gente que não queria matar, resolveu ir ao seu quiosque pegar um refrigerante. Sentou-se num banco, conhecidos se aproximaram para pedir que parasse a matança e fugisse. Coló não deu ouvidos, tomou goles do refrigerante e observou o lavrador Djalma Ribeiro, 43 anos, vindo de moto.

“Quando me viu, mandou parar e disse: ‘me leve ali. Já matei três e não tente fugir que atiro em você’”, contou Djalma. Coló tentou encontrar João Batista, 56 anos, que estava escondido no quarto, ao lado do posto de gasolina. “Volto aqui pra por fogo no posto, Batista”, disse Coló. Foi pra casa de Gileno Carvalho, 41 anos, que andava com o carro de som de Procópio. O caçador disse a conhecidos que a sacola com o facão era para, após matar Gileno, arrancar a cabeça dele e expô-la na praça da feira.

Sabendo da matança, Gileno fugiu pelos fundos da casa. Coló arrombou a porta e o procurou até embaixo da cama. Djalma pensou em fugir, desistiu. Voltaram para a praça. Já pensando numa fuga, Coló tentou abrir uma caminhonete D20 carregada de frutas e legumes. O reforço policial chegou. A uma distância de 20 metros, Coló observou o policial Givanildo Alves, 31 anos, descer da viatura e, com um tiro de espingarda, o atingiu na cabeça – o PM ainda está em coma induzido.

Coló ficou atrás de Djalma e tentou recarregar a cartucheira. Foi o tempo de um PM disparar um tiro de fuzil que atravessou a clavícula de Djalma e atingiu Coló no ombro esquerdo. Por pouco a PM da Bahia não fez a quarta vítima da matança. No chão, Coló recebeu um tiro de fuzil na boca e outro no coração. Após uma hora em que Jussiape foi dele, o caçador morreu como os animais que abatia. Djalma está no Hospital de Base em Vitória da Conquista (sudoeste baiano) se recuperando bem do ferimento.

Coló não teve velório. A mulher, assim que o corpo chegou, mandou que o enterrasse por medo de a população se revoltar e invadir o funeral. No mesmo dia, porém, alguém surtou e tentou por fogo no corpo do caçador. Sem êxito. Já o velório de Procópio e Jandira atraiu a presença do governador Jaques Wagner (PT) e do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo (PDT).

O governo reforçou a segurança em Jussiape, colocando por três dias 25 policiais militares e deixando até dia 1º de janeiro de 2013 onze homens da PM na cidade, incluindo aí os três fixos que lá já tinham. Mandou também uma viatura semi-nova. O atual prefeito de Jussiape, Gilberto Freitas, achou pouco. A família de Coló não vai mais morar na antiga casa porque a filha dele de 10 anos não entra mais lá – Coló deixou ainda um filho de 17. “A menina era muito apegada a Coló, e ele a ela”, contou a viúva.

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