Um conto de duas cidades - VEJA
Os dias que antecederam o primeiro turno das eleições presidenciais foram de euforia em Treze de Maio, no interior de Santa Catarina. O prefeito Clésio Bardini de Biasi mandou distribuir 8 000 folhetos com sugestões de números de candidatos, inclusive o 17 do presidenciável Jair Bolsonaro, pelos bairros da cidade, cujos habitantes nem chegam ao número de panfletos — são 7 070, na estimativa do IBGE. O governante ignorou a orientação de seu partido, o PP, para apoiar o tucano Geraldo Alckmin e se entusiasmou tanto que virou notícia no domingo, acusado de fazer boca de urna. Havia cabos eleitorais do postulante do PSL em cada esquina. O clínico geral Luiz Kiyoshi Yano, do único hospital da área, viu o deputado pela primeira vez no vídeo em que ele briga com a deputada petista Maria do Rosário sobre a redução da maioridade penal (aquele no qual declara que ela não merecia ser estuprada). Virou fã. “Minha prima foi assassinada por um menor de 17 anos e não deu em nada, então sou a favor de punição mais cedo”, justifica o médico. No mês passado, Yano viajou até o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde o político se recuperou do atentado que sofreu em Juiz de Fora. “Não me deixaram entrar para falar com ele, mas assinei o livro de visitas na recepção.” Nas igrejas, o espírito eleitoral se intensificou com a proximidade do pleito. Um evento no salão paroquial, organizado por políticos locais, reuniu 800 pessoas. O padre Nivaldo Ceron, que celebra missas tridentinas (em latim e de costas para os fiéis, como na tradição), também promoveu encontros de apoio. “Ele é o único candidato possível. Alguém contra o aborto e a legalização da maconha”, defende o morador do castelo construído em uma colina de 22 hectares com vista para a pequena área urbana local.
Tanta empolgação se refletiu em um resultado acachapante: 83,89% dos eleitores optaram por Bolsonaro, enquanto só 7,2% escolheram Fernando Haddad. Assim, Treze de Maio (que ironia, com o número do PT no nome…) tornou-se o município com a maior concentração de eleitores do candidato de PSL.
1/9 Região central da cidade de Treze de Maio: só 7,2% dos moradores optaram por Fernando Haddad nas urnas (Heitor Feitosa/VEJA.com)2/9 O padre Nivaldo Ceron posa para foto em frente ao Castelo Belvedere, onda mora, no alto das colinas: reuniões para conseguir votos para Bolsonaro (Heitor Feitosa/VEJA.com)3/9 O médico Luiz Kyoshi Yano chegou a viajar até o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde Bolsonaro estava internado para se tratar da facada: ele não conseguiu ser recebido no quarto, mas assinou o livro de visitas na recepção (Heitor Feitosa/VEJA.com)4/9 O fiscal de supermercado Elton Nascimento, proprietário de uma pistola, um rifle calibre 22 e uma espingarda calibre 12: "A posse deve ser apenas para quem tem aptidão” (Heitor Feitosa/VEJA.com)5/9 "Se for preciso passar por um período de ditadura para trazer à nossa nação, nossa pátria, uma melhora significativa, tudo bem", diz o representante comercial Iter Bez Fontana (Heitor Feitosa/VEJA)6/9 Região central da cidade de Treze de Maio (SC): mais de 83% dos votos foram depositados no candidato do PSL (Heitor Feitosa/VEJA.com)7/9 Kaiser Piovezan Carara: "A gente tem que ver a pessoa, e não o partido" (Heitor Feitosa/VEJA)8/9 Antenor Nandi, morador de Treze de Maio: região de lavouras férteis (Heitor Feitosa/VEJA.com)9/9 O prefeito da cidade de Treze de Maio (SC), Clésio Bardini de Biasi, que desconsiderou a orientação do PP de apoiar Alckmin e fez campanha por Bolsonaro (Heitor Feitosa/VEJA.com) Seca - Em Guaribas, apenas 5% da população está ocupada; “Emprego, só na prefeitura”, diz Maria Idália Alves (de branco) (Mastrangelo Reino/VEJA)No outro extremo, está Guaribas, no sul do Piauí, nas proximidades do Parque Nacional Serra das Confusões. Lá, Haddad levou 93,24% dos votos — sobraram 2,98% para Ciro Gomes e só 1,94% para Bolsonaro. Pelas vilas de casas simples, muitas delas com paredes de barro, o ex-prefeito de São Paulo ficou conhecido há pouco tempo, depois de ter sido anunciado como sucessor do ex-presidente Lula na corrida presidencial, graças a reportagens de telejornais e ao horário eleitoral na TV.
Quem verbaliza o nome de Haddad pronuncia “adá”, mantendo o último “d” mudo. Mas fala-se pouco sobre ele. O líder lembrado a todo instante é o ex-presidente Lula, cujo rosto estampa adesivos por todo canto do município, que se tornou um território simbólico para o PT na década passada. Segunda cidade mais pobre do país no censo de 2000, Guaribas serviu de piloto do programa Fome Zero em 2003. Atualmente, 1 071 lares (62,6% do total) recebem o Bolsa Família, que injetou só em agosto 302 156 reais na mirrada economia local. Na terra de seca severa, onde o que cresce no quintal não dá nem para a subsistência, não existem muitas oportunidades: o porcentual de moradores com uma ocupação é de apenas 5%. “Emprego só tem quem trabalha na prefeitura. Aqui é uma região muito pobre. As pessoas tentam plantar alguma coisa na roça, mas é difícil que nasça. Por isso o que o governo paga é tão importante”, afirma a dona de casa Maria Idália Alves, de 51 anos. “O Lula foi o único político que nos enxergou aqui”, diz o agricultor Reginaldo de Sousa, de 38 anos. A avaliação é quase consensual: a vida continua difícil, mas a cada depósito governamental o pesadelo da fome se mantém um pouco distante.
– (Arte/VEJA)O programa Luz para Todos, outra bandeira dos governos petistas, levou energia elétrica à zona rural, onde mora boa parte da população. O governo estadual, também do PT, completou o serviço e faz chegar água aos povoados. Já os sinais de internet ou telefone celular (e, portanto, as redes sociais, tão cruciais na campanha bolsonarista) não vão muito além do pequeno centro, de poucos quarteirões, onde não existem asfalto nem agência bancária e o único mercadinho é tocado pelo casal de donos, sem funcionários. O Bolsa Família tem impacto até na rotina da Assembleia de Deus. O pastor Aldemar Alves da Rocha, de 36 anos, conta que o programa de renda é crucial para pagar o dízimo. Falar mal de Lula seria um sacrilégio. “Nossos líderes da igreja, assim como eu, votam no Bolsonaro, mas cada um é livre para escolher quem quiser.”
1/12 A aposentada Odessa Martins Soares: "Aqui nós agradecemos primeiro a Deus, depois a Lula e, em terceiro, ao PT, que tem que fazer as pessoas felizes onde puder fazer" (Mastrangelo Reino/VEJA)2/12 O agricultor Osmar Correia Maia, de 72 anos: "Eu pago o bem com o bem, e o PT fez muito bem para nós aqui em Guaribas" (Mastrangelo Reino/VEJA)3/12 A agricultora Adelita Pereira Morais: "Se eu pudesse, queria ir a Curitiba tirar Lula da cadeira" (Mastrangelo Reino/VEJA)4/12 Domingos Morais e Ivanilda Pereira Morais (centro) com a filha Silvani Pereira. "Aqui antes era só pobreza, ninguém nunca tinha olhado para nós aqui. Esse Temer nem sabe que isso aqui existe. E o outro, esse Bolsonaro, é contra o Lula", diz ela. (Mastrangelo Reino/VEJA)5/12 Guaribas tem 4558 habitantes, segundo a projeção do IBGE (Mastrangelo Reino/VEJA)6/12 Fogo no mato seco em Guaribas: no semiárido piauiense, água chegou aos bairros após obras de governo petista (Mastrangelo Reino/VEJA)7/12 Vista de um dos trechos mais concentrados da cidade: 62,6% dos lares recebem Bolsa Família (Mastrangelo Reino/VEJA)8/12 Apenas 5% da população local tem uma ocupação (Mastrangelo Reino/VEJA)9/12 Vista da cidade de Guaribas, localizada no estado do Piauí - 10/10/2018 (Mastrangelo Reino/VEJA)10/12 O agricultor Derliene Ferreira, 32, também eleitor do PT (Mastrangelo Reino/VEJA)11/12 A agricultora Adelita Pereira Morais com sua família. Todos votaram em Fernando Haddad no primeiro turno (Mastrangelo Reino/VEJA)12/12 Os agricultores Celimara de Souza e Reginaldo de Souza com os filhos: população conhece Fernando Haddad há poucos meses, mas decidiu votar no candidato indicado por Lula (Mastrangelo Reino/VEJA)
Treze de Maio também não é uma cidade rica. A renda média dos empregados formais é de 1,6 salário mínimo, mas boa parte vive da venda de sua pequena produção de fumo, batata, milho, feijão ou arroz. O nome do município é uma referência à data da Lei Áurea. No começo do século passado, o estado desapropriou terras pertencentes aos quilombolas e os negros foram expulsos por imigrantes europeus, segundo registros do Ministério Público Federal. Restou dessa história a figura de um escravo no centro da bandeira. Hoje, cerca de 97% da população se declara branca ao IBGE (Guaribas tem 73% de pretos e pardos). Como na cidade piauiense, há abundância de estereótipos vivos do eleitorado que vota maciçamente em um único candidato. Armas de fogo são um assunto que surge rapidamente nas conversas. “Mas a posse deve ser apenas para quem tem aptidão”, explica Elton Nascimento, de 27 anos, fiscal de caixa em um supermercado e proprietário de uma pistola, um rifle calibre 22 e uma espingarda calibre 12. “É um hobby, uma paixão de família”, resume o jovem, fundador do principal grupo de WhatsApp dos apoiadores locais, o “Bolsonaristas treze”. Basta uma mensagem sua para que os participantes se materializem em instantes na praça, com camisetas que estampam o rosto do candidato do PSL. Piada ouvida mais de uma vez enquanto a turma se reunia: “Precisamos mudar o nome para Dezessete de Maio”.
Fazer um sinal de arma com as mãos é outra constante. Dos crimes locais citados para justificar a defesa do porte de arma, o mais lembrado é a explosão de caixas eletrônicos do Banco do Brasil, ocorrida há três anos. O ex-caminhoneiro Kaiser Piovezan Carara, de 35 anos, dono de uma empresa de terraplenagem, mora na sobreloja da agência bancária assaltada. “Depois disso, a gente logo se assusta quando qualquer carro estaciona aqui em frente durante a madrugada”, diz. “Se os bandidos estão armados, por que o cidadão de bem não pode?”, questiona João Vitor Longo.
Nas duas cidades, separadas por 2 241 quilômetros — e tantas outras coisas —, há um empate sem margem de erro: em nenhuma delas é fácil a vida do eleitor “do contra”. “Os apoiadores do PT tentam forçar as pessoas a votar nos candidatos”, reclama o pedreiro desempregado Leonísio Rocha, de Guaribas, que digitou o número 17 na urna. Na cidade catarinense, o agricultor José Ferreira, filiado ao partido de Lula e Haddad, se queixa do fervor em torno do adversário. “O projeto dele para o país é todo mundo liberar seu Bolsonaro interior. Ou seja: fazer tudo na base da pancada.” Em um eleitorado dividido, as capitais dos extremos não haveriam mesmo de ser a cara da pacificação. Mas o país espera por alguém que seja capaz, a um só tempo, de ser presidente para Treze de Maio e para Guaribas.
Capitais da polarização
O que se ouve na bolsonarista Treze de Maio, em Santa Catarina
– (Heitor Feitosa/VEJA.com)Hoje em dia se privilegia demais o bandido. O inocente fica em segundo plano. Concordo plenamente com Bolsonaro.
Nivaldo Ceron, 57 anos, padre
O povo está deixando de ser bobo e olhando o que é melhor. Está na hora de acabar com aquele negócio partidário, de bandeira. Eu aprendi que a gente tem de ver a pessoa, e não o partido.
Kaiser Piovezan Carara, 35 anos, empresário
Se for preciso passar por um período de ditadura para trazer a nossa nação, nossa pátria, uma melhora significativa, tudo bem. Eu tenho convicção de que é necessário.
Iter Bez Fontana, 32 anos, representante comercial
O que se ouve na petista Guaribas, no Piauí
– (Mastrangelo Reino/VEJA)– (Mastrangelo Reino/VEJA)Depois do Lula, a gente conseguiu ter casa, água, luz, condição para ter o que comer. Se eu pudesse, queria ir a Curitiba tirar ele da cadeia.
Adelita Pereira Morais, 57 anos, agricultora
– (Mastrangelo Reino/VEJA)Eu pago o bem com o bem, e o PT fez muito bem para nós aqui em Guaribas. Na televisão, saiu que Haddad era o candidato do Lula, aí eu votei nele — e vou votar de novo.
Osmar Correia Maia, 72 anos, aposentado
Aqui nós agradecemos primeiro a Deus, depois a Lula e, em terceiro, ao PT, que tem de fazer as pessoas felizes onde puder fazer.
Odessa Martins Soares, 70 anos, agricultora
Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604
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Como fazer
Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.
(João 14:21)
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