“Dona Andrelina”
Há momentos em nossas vidas em que precisamos parar, meditar e nos redescobrir nas memórias guardadas em nosso inconsciente. Recordar fatos passados que, num relance relâmpago, retornam ao consciente. São momentos de quase êxtase pela alegria que nos proporcionam. Aconteceu. A figura de “Dona Andrelina” passou límpida à minha frente. É necessário falar agora. Neste exato instante. Não perder a oportunidade. Ela não se repetirá.
Cada palavra dita representará um tributo pessoal e, tenho convicção, o de outros tantos companheiros com os quais convivi durante três anos no extremo sul da Bahia, num local chamado CARAVELAS, à dignidade, à decência, à fidelidade, à dedicação e ao amor fraterno, dentre outros predicados daquela maravilhosa criatura humana.
Para
falar
dessa
figura
ímpar,
torna-se
fundamental
retornar
ao
passado
e
navegar
no
mundo
virtual
da
imaginação
pelas
estradas
que
nos
levam
àquele
belo
recanto
baiano.
Havia
três
formas
de
lá
chegarmos:
pela
aviação,
navegando
pela
costa
brasileira
e
pelas
estradas
do
imenso
interior
do
Rio
de
Janeiro,
do
Espírito
Santo
e
de
Minas
Gerais,
considerada
a
natalidade
carioca
que
carrego
em
mim.
Pousavam
no
aeroporto
local
aviões
fretados
de
pequeno
porte,
os
“Dart
Herald”,
da
empresa
aérea
Sadia,
cujo
barulho
dos
motores,
ensurdecedor
como
ele
só,
ultrapassava
em
volume
e
incômodo
o
dos
jatos
da
época
e
as
aeronaves
da
Força
Aérea
Brasileira,
presente
nos
mais
longínquos
rincões
onde
dela
se
precisasse.
O
caminho
das
águas
era
bem
menos
utilizado
pela
população,
provavelmente
pela
logística
que
envolvia.
A
via
terrestre
representava
puro
sofrimento,
principalmente
no
trecho
entre
Teófilo
Otoni
e
Caravelas:
estradas
de
barro,
em
beiras
de
abismos
entre
as
montanhas,
desafiando
a
morte
nos
pisos
de
barro
que
as
chuvas
transformavam
em
lamaçal,
forçando
os
homens,
não
poucas
vezes,
a
descerem
do
ônibus
para
desencalhá-lo,
no
braço,
debaixo
de
trovões
e
chuva
forte.
Por fim, a chegada a Caravelas, aquela delícia de pedaço de paraíso. Beira-mar, peixes em abundância, guaiamum (enorme tipo de caranguejo azulado das pedras, não do lodo) e camarão graúdo, sem falar no principal atrativo para os solteiros que lá aportavam: as mais belas figuras femininas da Bahia, receptivas, também elas, a exemplo de todo o povo da cidade. Nós, sargentos da Força Aérea, éramos Reis no Paraíso, que retribuíam, à risca, o carinho recebido.
Houve um fato curioso e marcante em nossas mentes naquele período. Fazia sucesso nacional uma jovem cantora de 15 anos chamada Adriana. Loiríssima e linda, apresentava-se acompanhada permanentemente pelo olhar atento e vigilante de sua mãe. O Clube local a recebeu, superlotado, em uma noite de sábado, na qual se apresentou para a alegria de nossos olhos. Ela cantava e dançava muito bem, exibindo juventude e preparo físico.
Fim
de
espetáculo.
Veio
o
desafio:
uma
pergunta
ao
público,
própria
para
quem
deseja
se
autovalorizar.
Tudo
bem.
Coisa
própria
de
artista.
Lenha
na
fogueira:
será
que
não
existe
na
cidade
um
homem
que
consiga
dançar
comigo?
À
época,
o
ator
e
cantor
Tony
Tornado,
o
segundo
nome
já
o
apresenta,
fazia
sucesso
com
a
música
BR3,
e
era
praticamente
inigualável
em
sua
dança
e
giros
enlouquecedores.
Pois
bem:
um
companheiro
nosso
dançava
aquela
música
e
outras,
tão
bem
quanto
o
artista
e
se
apresentou
como
voluntário,
instigado
por
nós.
Houve
um
segundo
espetáculo.
A
apresentação
se
estendeu
por
aproximadamente
uma
hora
e
nosso
amigo
foi
procurado
pela
cantora
e
sua
equipe
para
ser
contratado.
Ele
explicou
o
que
era,
quem
era
e
o
que
fazia
na
cidade,
e
tudo
acabou
no
abraço,
no
cumprimento
amistoso
e
parabéns
pela
performance.
E Dona Andrelina. Onde está ela nesta história. Esqueci o prato principal? Nada disso. O preâmbulo, talvez longo, julguei necessário para que você, leitor, adentrasse com a simpatia por mim desejada às poucas esquinas da inesquecível Caravelas e caminhassem comigo pelas estreitas e simpáticas ruas de paralelepípedos, para chegar à beira mar, a fim de sentir a brisa suave, a maresia, desfrutar da quietude aconchegante do local, da simplicidade e receptividade do povo Caravelense.
Mas era preciso, na prática, viver a realidade naquele recanto aprazível: alimentação, trabalho, transporte: viver o mundo como ele a nós se apresenta. Já existia, na cidade, uma pequena “República” e eu, em particular, residi um ano no Destacamento local. Transcorrido esse tempo, resolvemos todos criar outro espaço, bem maior, para acomodar todos nós, o que era bem melhor, considerando ser mais econômico, saudável e social. Faltava um detalhe: quem faria a comida, arrumaria a casa e deixaria o ambiente limpo sem maiores despesas? Conseguimos, no ato, o famoso três em um.
“Dona Andrelina” surgiu para nós como em contos de fadas. Posso estar enganado, mas acredito que teria os seus 40 ou 50 anos de idade. Passava roupas como ela só. A casa ficava “um brinco”, de tão bem arrumada. A comida. Meu Deus. A comida. Simplesmente “O néctar dos deuses”: Carnes; macaxeira cosida ou frita; peixes diversos; arroz e feijão; doces dos mais variados; bolo de macaxeira, dentre tantas outras iguarias. E que dedicação. A todos nos tratava como filhos queridos, além dos tantos outros que colocara no mundo por maternidade natural.
Um fato marcante aconteceu logo após convidarmos dois ou três amigos, funcionários do Banco do Brasil, para almoçar conosco em um domingo qualquer da vida. (eles tinham salário bem maior do que o nosso e eram considerados os primos ricos). Ela estava lá. Preparou com o máximo carinho a refeição e aconteceu o que era esperado. Procurem imaginar o capricho naquilo que já é caprichado. O ótimo, naquilo que já é excelência.
Nossos amigos ficaram maravilhados. E cometeram um erro: imaginaram que toda aquela pompa gastronômica tenha sido para agradá-los e despertar o interesse pela profissional. Então, conforme diz o jargão popular, “cá pra nós”, eles foram “indelicados” conosco: na semana que se passou, procuraram Dona Andrelina e propuseram pagar-lhe um pouco mais do que o dobro do que pagávamos para trabalhar para eles. Receberam um sonoro NÃO. Jamais abandonarei meus meninos, por qualquer dinheiro do mundo.
Ato contínuo, muito aborrecida, veio até nós e contou o ocorrido, mais tarde confirmado pelos “amigos”, mais da onça do que de nós. Aquele episódio, porém, nos serviu de lição para que percebêssemos a nossa acomodação em relação àquela maravilhosa criatura e, sem que ela soubesse, sem delongas, aumentamos, substancialmente para nós, em esforço conjunto, o salário da nossa amiga e benfeitora. Caso encerrado, meu caro Watson. Assim era Dona Andrelina.
Por conta dos fatos da nossa história, vez por outra, já eu casado, conversava com minha mulher sobre essa maravilhosa senhora, que particularmente eu chamava D’Andrelina. Todos somos conscientes de que as mulheres não são ciumentas. Convicção masculina. A minha, também não. JURO. Em todos os momentos de recordações, ouvia sempre: “sei muito bem sobre essa Dona Andrelina. Um belo disfarce para lembrar da gatinha que em Caravelas deixou, sem despertar suspeitas”.
Do extremo sul da Bahia, viajei em minhas recordações para um pouco mais de dez anos após minha saída de Caravelas. Aportei minhas divagações literárias em Campo Grande, minha “Big Field”, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, e me perdoe o nosso Roberto Carlos, “doce terra onde nasci”. Estávamos, minha mulher e eu, em um supermercado, mais passeando do que fazendo compras.
De repente, observei uma senhora, de baixa estatura, obviamente mais envelhecida, observando as prateleiras. É ela, pensei com meus botões. Ao me aproximar dela, olhou para mim com aquele olhar de “eu o conheço”. Perguntei, entre tímido e atrevido: Dona Andrelina; Caravelas? A resposta positiva me fez completar: Suzano, da República da Força Aérea. “Meu menino”, foi sua resposta. O sorriso se abriu. O abraço veio longo e forte. Nossas recordações foram trazidas à tona.
Ao presenciar a cena, um pouco afastada do local, minha mulher aproximou-se, curiosa, e eu, com o olhar matreiro de “te peguei”, fiz a apresentação: “esta é Dona Andrelina, de quem tanto falo”. O rubor tomou conta do rosto surpreso e “sem jeito” e se apossou por segundos de uma pessoa envergonhada para, quase que de imediato, normalizar, e a conversa fluir solta, a ponto de despertar a curiosidade de minha mulher, que me cobrou, de imediato. Agendar uma viagem à Caravelas, o que se concretizou pouco tempo depois.
Foi
a
última
vez
que
tive
a
alegria
de
ver
e
conversar
com
Dona
Andrelina.
Ter
o
prazer
de
demonstrar
o
carinho
que,
com
plena
certeza,
todos
nós,
que
com
ela
convivemos,
sentimos
por
aquela
doce
figura,
única
em
nossas
vidas.
Não
entro
no
mérito
de
ser
piegas
ou
não,
mas
faço
questão
de
que
este
texto
termine
o
mais
simples
possível,
esvaindo-se
em
si
próprio
com
uma
singela
oração
gramatical:
“Dona
Andrelina”.
Não
importa
onde
esteja.
Receba
o
meu,
o
nosso
carinhoso
abraço
e
fique
certa
de
que,
para
todo
o
sempre,
a
nossa
querida
mãe
adotiva,
que
nos
chamava
“meus
meninos”,
permanecerá
viva
em
nossos
corações.
Redação
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Deleita-te também no Senhor, e ele te concederá o que deseja o teu coração.
(Salmos 37:4)
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