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Um olhar psicológico sobre a menopausa

Na última década o tema menopausa vem recebendo atenção crescente de profissionais ligados à área de saúde. Entrevistas, tanto no rádio quanto na tevê, e publicações em jornais e revistas têm trazido à tona questões relacionadas à menopausa, mostrando que o tema é de interesse. E é de interesse porque as mulheres, cada vez mais, querem informar-se a respeito dos processos que lhes dizem respeito. O aumento dessa demanda por informação nos indica, ela mesma, o quanto o processo da menopausa ainda gera dúvidas e inquietações com as quais o profissional ligado à área de saúde, seja ele médico, psicólogo, enfermeiro ou assistente social, acabará por defrontar-se.

Há uma quase unanimidade na literatura sobre menopausa quanto a considerar que o crescente interesse por esse tema se deva ao aumento acentuado do número de mulheres em processo de menopausa que se registra a partir de meados deste século. Só muito recentemente a expectativa de vida das mulheres ultrapassou os 50 anos. Considerando-se que esta é a idade média da menopausa e que, hoje, a expectativa de vida gira em torno dos 70 ou 80 anos, é de se esperar que para um número cada vez maior de mulheres, a vida continuará ainda por um bom período de tempo após a menopausa. Daí o crescente interesse em conhecer esse processo para, ao vivê-lo bem, criar condições para uma vida pós-menopausa plena e de boa qualidade. Assim, embora a menopausa não seja um fenômeno novo, só agora, nas últimas décadas, os estudos a respeito têm sido mais numerosos.

Esses estudos são, em sua maioria, provenientes da área médica e voltados para o aprimoramento da terapia de reposição hormonal que é, hoje, a alternativa médica por excelência para se lidar com os desconfortos da menopausa. Essa terapêutica se tem mostrado efetiva, seja para eliminar, seja para minimizar alguns sintomas típicos da menopausa, tais como ondas de calor e secura vaginal. Os estudos se têm voltado, basicamente, para o estabelecimento de condições de reposição hormonal próximas do ideal e que garantam riscos mínimos de efeitos colaterais.

Mas o processo de menopausa vai além das alterações hormonais, por mais amplas e diversificadas que elas sejam. O período da menopausa marca o momento de uma profunda transformação interna, emocional, que costuma parecer, para muitas mulheres, terrivelmente ameaçadora. Um dos grandes desafios da menopausa é viver esse processo de transformação, acolhendo-o e aos sentimentos, quaisquer que sejam, que ele possa estar desencadeando. Mais do que viver esse processo, aprender com ele e, nessa aprendizagem, abrir-se para a pessoa nova que vai sendo forjada aos poucos pelo “fogo interior” desencadeado pelas oscilações hormonais. Estes são alguns dos desafios emocionais da menopausa que só muito recentemente os psicólogos começam a reconhecer.

Estudos que tragam uma visão mais psicológica desse processo são, ainda, muito escassos. Falta-nos uma descrição da menopausa feita pelas próprias mulheres que a estejam vivenciando, uma, digamos assim, menopausa vista por dentro. Certamente, uma descrição desse tipo poderia fornecer-nos maiores informações sobre os aspectos emocionais que caracterizam esse processo. Processo, aliás, marcado por mudanças que, além de profundas, são, muitas vezes, totalmente inesperadas para as mulheres.

Quando observadas do ponto de vista psicológico, as transformações marcantes na vida de um indivíduo envolvem uma troca de papéis, social e emocionalmente definidos. Para que essa troca de papéis ocorra, há necessidade de se abrir mão de aspectos antigos, aos quais já se estava familiarizado, pois só assim será possível a aquisição de novas perspectivas sociais e emocionais. A crise geralmente se instaura quando, seja por não se ter ideia desses novos papéis, seja por idealizá-los de maneira incompleta ou distorcida, há uma recusa em se abrir mão do que foi familiar até então.

Vivemos numa cultura que ao se centrar na aparência, no vigor e no ritmo acelerado da juventude, acabou por perder a dimensão da real importância daquelas qualidades que só a maturidade permite conquistar. Ponderação, experiência, serenidade, ritmo próprio, pilares em que se apoiam tanto a liberdade de criação quanto a de atuação, características da maturidade, não são valorizados em nossa cultura. Muito pelo contrário: ao que não se encaixa no perfil e no ritmo do que é jovem sobra apenas a genérica e desonrosa classificação de “velho”. Na estreiteza desse ponto de vista a transição para a maturidade é encarada como a passagem do novo para o velho, no sentido o mais depreciativo possível: passagem do produtivo para o não produtivo, do ativo para o inerte, do criativo para o estéril, do atraente para o repulsivo, do bonito para o feio.

Dentro dessa perspectiva é compreensível que todo e qualquer sinal que indique passagem para a maturidade seja recebido com desconforto e insegurança, principalmente pelas mulheres. Culturalmente, espera-se delas que permaneçam eternamente jovens ou que, pelo menos, sejam capazes de retardar ao máximo o seu processo de envelhecimento. A valorização exacerbada da juventude e a pressão que tal expectativa exerce sobre as mulheres podem dificultar a aceitação das profundas mudanças, físicas e emocionais, desencadeadas pela menopausa.

E não há nenhum demérito em se admitir essa dificuldade de aceitação da menopausa. Quando isso acontece o primeiro passo a ser dado é reconhecer os sentimentos que essa dificuldade esteja desencadeando. Negá-los é optar pelo empobrecimento da vida emocional e isso seria lamentável. Tão lamentável quanto o distanciamento emocional das mulheres que negam seu próprio processo de menopausa, alegando que passaram por ele nem se deram conta, pois estavam absorvidas por outras preocupações ou por muitos afazeres.

É certo que uma pequena parcela das mulheres, estimada na literatura em mais ou menos 10%, passa pela menopausa sem registrar nenhum dos desconfortos clássicos, tais como fogachos ou maior irritabilidade. Mas a ausência de desconforto não significa inexistência do processo de transformação. Com ou sem ondas de calor, com ou sem sudorese abundante e taquicardia, o corpo feminino tem um ritmo de funcionamento próprio que, quer queira quer não queira, é marcado por períodos de mudanças profundas, dos quais a primeira e a última menstruação são os exemplos mais dramáticos. Assim, o ritmo do relógio biológico feminino segue seu curso, independentemente da mulher ser ou não sintomática com relação às alterações desse ritmo. Dessa forma, viver uma menopausa sem sintomas desconfortáveis não implica ou, pelo menos, não deveria implicar em ignorar o processo psicológico de transformação emocional que também faz parte dessa transição.

Todos os períodos de transição que marcam nossas vidas são, emocionalmente, muito importantes embora, do ponto de vista cultural, haja diferenças na maneira como são socialmente recebidos. Em nossa cultura a primeira menstruação (menarca) é, geralmente, festejada e a transição de menina para moça costuma ser recebida como uma conquista. E ela o é de fato. É a conquista do status de adulto, de aquisição, real ou suposta, não importa, de maior responsabilidade pessoal e social. O mesmo não ocorre com a menopausa. Embora também pudéssemos analisá-la do ponto de vista das conquistas da maturidade, culturalmente ela é encarada apenas do ponto de vista das perdas. Perda da fertilidade, perda da juventude, perda do vigor e o impacto de todos os temores decorrentes, dos quais o medo de envelhecer num mundo estruturado para jovens parece ser um dos mais assustadores.

Talvez essa ênfase nas perdas seja a explicação para o pacto de silêncio que, normalmente, envolve esse período. É bastante comum nos textos a referência à menopausa como a “transição silenciosa” uma vez que as mulheres tendem a silenciar a respeito desse processo. Pois o nosso ponto de partida foi exatamente esse: formar grupos de mulheres interessadas em discutir menopausa e em trocar experiências e sentimentos a respeito. Teríamos algumas surpresas nessa tentativa.

A primeira delas foi a grande dificuldade em formar os grupos. Como uma proposta teórica, as mulheres recebiam bem a possibilidade de se discutir menopausa, mas dificilmente essa necessidade parecia aplicar-se a elas mesmas. Assim, embora muitas mulheres achassem interessante nossa proposta de trabalho com grupos, muito raramente alguma delas se mostrava disponível para participar deles.

Quando, finalmente, conseguimos formar pequenos grupos, as mulheres participantes, cujas idades variavam de 40 a 52 anos, classificavam-se, em sua esmagadora maioria, como não menopáusicas, isto é, como ainda não estando vivenciando esse processo. As razões, segundo elas, para estarem nos grupos de menopausa eram a curiosidade e a necessidade de informar-se a respeito. Aliás, curiosidade e carência de informações sobre a menopausa foram, realmente, os principais elementos de motivação dos grupos e não, como imagináramos de início, a necessidade de falar sobre as possíveis incertezas desse processo.

Formados os grupos demos início ao trabalho que constou de quatro encontros com duração de duas horas cada um. No primeiro encontro, após a apresentação de cada elemento do grupo, foi solicitado que cada um descrevesse sua vivência ou sua expectativa com relação à menopausa, enfatizando as alterações, tanto no corpo quanto no estado emocional, que julgassem estar relacionadas com esse processo. Essa “viagem interna” foi, para algumas das participantes, o primeiro contato com suas mudanças.

No segundo encontro, focalizamos as fases de vida da mulher (infância, adolescência, idade adulta e climatério) em função dos hormônios femininos, enfatizando-se as flutuações hormonais da menopausa. Como essas flutuações provocam uma gama muito diversificada de sintomas, nosso próximo passo foi discuti-los. Este foi o conteúdo de nosso terceiro encontro, acrescido de uma discussão sobre a importância de hábitos saudáveis de vida, tais como uma alimentação balanceada, isto é, rica em cálcio, de baixo teor calórico e pobre em gordura, prática regular de atividade física e exposição adequada ao sol. Todas as discussões que envolveram temas relativos às áreas médica e/ou nutricional foram fundamentadas com textos técnicos.

No último encontro se discutiu reposição hormonal, suas indicações e contraindicações e, como atividade prática, foram apresentados alguns exercícios de alongamento e a técnica de relaxamento progressivo. A atividade prática, que foi muito bem recebida pelos grupos, tinha como objetivo despertar a atenção corporal das pessoas, sensibilizando-as para a importância do conhecimento e da atenção voltados para o próprio corpo e para suas modificações. Encerramos os grupos solicitando às participantes uma avaliação dos encontros. Todas elas ressaltaram que o fato de terem sido informadas a respeito da menopausa lhes dava maior segurança para viver esse processo.

Um dado interessante que pudemos observar nos grupos realizados é que as mulheres que se consideravam ainda distantes do início da menopausa (em geral aquelas mais jovens) demonstraram mais facilidade em falar sobre o tema do que as mais velhas. Ficavam mais à vontade, perguntavam mais, colocavam dúvidas, não tendiam a fugir, como o faziam as mulheres mais velhas.

Do que, realmente, estariam fugindo aquelas mulheres? Parece-nos que a resposta se encontra neste aspecto: falar sobre menopausa é, necessariamente, falar sobre o envelhecer. Como vimos anteriormente, numa sociedade em que se cultua a juventude, a velhice se torna sinônimo de decrepitude e o envelhecer fica erroneamente associado apenas a seus aspectos de perda. Esquece-se, assim, que o envelhecer, como toda transição, envolve perdas, mas abre possibilidades de ganhos. Perde-se vigor físico, mas é possível ganhar em espaço pessoal; perde-se na elasticidade da pele, mas é possível ganhar em maturidade; perde-se em tonicidade muscular, mas é possível ganhar em flexibilidade diante da vida. Pode, sim, haver ganhos com a maturidade. E esse é o espaço que, no universo da menopausa, abre-se à atuação do psicólogo: auxiliar as mulheres a lidar com as perdas dessa passagem, mas sem ignorar a riqueza dos ganhos possíveis da maturidade.

Acreditamos que a geração de mulheres que hoje se aproxima da menopausa tem à sua frente um estimulante desafio que é o de assumir-se como precursora e ousar desmistificar o medo do envelhecer.

Moreira Jr Editora

https://www.moreirajr.com.br

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