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O FRESCOBOL ORIGINAL, SEM PONTOS NEM REGRAS por Fernando Moura Peixoto

“Não sei de nenhum outro esporte com essa coisa tão bonita como o frescobol: os dois jogadores não ficam um contra o outro, mas são parceiros na construção de um mesmo movimento de precisão. Como se fosse uma dança.”
“Não tem contagem de pontos, não tem duração de partida, não tem fora de campo, não tem regra, não tem nada demarcado. É o puro prazer da elasticidade do corpo, da precisão do gesto, da dosagem da força.”.
“Sem ter que ficar grudado de suor, porque o mar está sempre ali para um mergulho refrescante, de raquete e tudo, entre uma bola e outra.”
“Tem que ser junto da água, porque na areia escaldante lá de cima, em pleno verão, é impraticável. E deixa de ter o frescor da água respingada, perde até a razão nome.”
ANA MARIA MACHADO (1941 -), frescobolista, escritora, jornalista, pintora, professora, tradutora e imortal da Academia Brasileira de Letras, ABL.

A ORIGEM DO FRESCOBOL

Praticamente ao acaso, decorrente de “uma brincadeira de moleque de praia”, o frescobol surgiu em 1945, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, quando o paraense Lian Pontes de Carvalho se divertia na beira da praia com um amigo, batendo numa bola de tênis com uma tabuinha – a Segunda Guerra Mundial terminara havia pouco.

O novo esporte teve como berço o trecho praiano compreendido entre o Copacabana Palace Hotel – “o Palace”, como era cognominada então a suntuosa construção em estilo neoclássico projetada pelo arquiteto francês Joseph Gire (1872 – 1933), e inaugurada em 13 de agosto de 1923, uma segunda-feira, na Avenida Atlântica – e a Rua Duvivier, o pedaço de areia popularmente chamado de Posto Dois e Meio.

Além de Lian, os pioneiros jogadores foram Milton Cavalcanti – o grande divulgador do frescobol, que trazia raquetes feitas no estaleiro em que trabalhava em Niterói – Geraldo Éboli, Bertoldo, Virgílio Carneiro, Leopoldo, os tenistas campeões Armando Vieira e Júlio de Abreu, Jorge ‘Cavuca’ Cavalcanti (campeão de tiro), Maria Lafond e os adolescentes Nei Ribeiro de Lemos, Zênio José Abdon, Carlos Magno e Haroldo Hage Nicolau. E ainda Jeremias de Souza, Jorge ‘Maresia’, Nilson, ‘Barão’, Lauro Barbosa Ferreira, Américo Castro e Moacyr Moura Costa. Além dos guarda-vidas locais ‘Jonga’, Sebastião e Emílson.

O frescobol floresceu ao lado do famoso ‘Clube dos Cafajestes’ – um grupo divertido de rapazes de classe média, ou cheios da grana, e mulherengos, reunidos na Confeitaria Alvear, liderados pelo botafoguense ‘fanático’ Eduardo Henrique Martins de Oliveira (o aviador Edu, comandante da Panair do Brasil, morto num acidente aéreo em Porto Alegre, em 28 de julho de 1950), pródigos em aprontar confusões onde estivessem – e alguns de seus integrantes eram também aficionados do novo esporte: Carlos Peixoto, Carlinhos Niemeyer, Mariozinho de Oliveira, Newton Barbosa, os irmãos Oldar e Darcy Fróes da Cruz e o próprio Edu – o saudoso Edu [para quem Fernando Lobo (1915 – 1996) e Paulo Soledade (1919 – 1999) compuseram “Zum-zum”, em póstuma homenagem, um sucesso no carnaval de 1951].

Lian Pontes de Carvalho morava no edifício de número 1496, na Avenida Atlântica, esquina de Rua Duvivier – demolido, deu lugar a um modernoso hotel. Dono de uma fábrica de móveis, pranchas e esquadrias de madeira na Rodovia Presidente Dutra, confeccionava as raquetes, vendidas na praia com o apoio dos guarda-vidas. Sem a perspicácia de patentear a modalidade esportiva que inventara e as raquetes que produzia – lamentaria o fato mais tarde –, chegou a comercializar boa quantidade delas para uma loja do centro da cidade [dizem que ‘A Exposição’, no Largo da Carioca, a primeira a estimular o uso de crediário, com o slogan: “Basta ser um rapaz direito para ter crédito na Exposição”].

Os que não podiam comprar ou mandar fazer suas raquetes em serraria cortavam pedaços de madeira nas obras dos prédios em construção na Avenida Atlântica. E lhes davam forma e acabamento, aparando-os, árdua e pacientemente, com lixa, lâminas de serra ‘tico-tico’ e cacos de vidro – o famoso jeitinho brasileiro já em ação.

Utilizava-se o pinho e, depois, o cedro na manufatura das raquetes, rústicas e pesadas. Com o passar do tempo, os cabos foram encurtados e as raquetes pintadas ou envernizadas para protegê-las da água.

Jogava-se com bolas de tênis, descascadas, hábito que perdurou até o ano de 1976, quando se começou a adotar as bolinhas norte-americanas de “racquetball”, trazidas inicialmente por Sebastião Sarago, piloto de helicópteros. Em borracha pressurizada e na cor preta, elas iriam revolucionar o frescobol, tornando-o mais ágil, dinâmico e vibrante.

A DIFUSÃO DO FRESCOBOL

O polêmico frescobol se estendeu ao Leme e ao Posto Seis, sempre qualificado como “jogo de raquetes” ou “tênis de praia”. Era amado por quem jogava e detestado por quem frequentava a praia. Em 1950, proibido pela polícia em Copacabana, transferiu-se para o Arpoador. E logo, para a Praia do Diabo, que viria a se tornar a grande “academia de frescobol” durante mais de trinta anos, pois lá, sua prática sempre foi tolerada e, de certa maneira, liberada.

Ainda na década de 1950, propagou-se pelo Castelinho, Ipanema e Leblon, alcançando ainda a Ilha do Governador, Paquetá e Niterói. Sofreu então campanha contrária da imprensa e pelos incomodados com o recente esporte, apelidado, pejorativamente, de “coisa de frescos” e “jogo de frescos”, e logo, “frescobol”.

Os “frescobolistas”, no entanto, não se importaram – afinal de contas, só queriam jogar em paz – e adotaram o nome, reconhecido e dicionarizado por mestre Aurélio Buarque de Holanda (1910 – 1989):
“Frescobol, s.m. (Bras.), jogo para dois parceiros, praticado ao ar livre, especialmente nas praias, no qual se utilizam raquetas e bolas de borracha: ‘Caiu n’água, escalou rochedos, participou de partidas de frescobol’ (Malu de Ouro Preto, in Vozes da Cidade, p.79). (Pl: frescobóis)”.

Há, entretanto outra versão, mais palatável, para a denominação do esporte. Seria frescobol porque é jogado na beira da água, ou seja, no fresco. A Enciclopédia Barsa, já em sua primeira edição, de 1964, registrou o frescobol na parte relativa aos jogos de praia:
“O tênis é outro esporte que se transferiu para a praia. Na indispensável adaptação, as raquetas são de madeira e a bola, de borracha (…). A designação do jogo recebeu também uma adaptação regional: frescobol”.

A intensa repressão policial e as campanhas negativas de parte da imprensa só fizeram contribuir para a propagação cada vez maior do frescobol. Todos sabemos que a melhor forma de se incentivar um hábito e transformá-lo em paixão ou vício, é proibindo-o. O que não é considerado lícito sempre despertou a paixão humana.

A PAIXÃO PELO FRESCOBOL

O frescobol é um dos esportes mais difundidos nas praias brasileiras. Joga-se praticamente em todos os estados. No exterior há jogos similares. No frescobol não existem adversários, e sim parceiros, que preparam as jogadas, alternando-se no ataque e na defesa.

Além da dupla – na longa, média e curta distância –, joga-se o “dois-um” (trinca), o “três-um” (três batendo e um defendendo) e o “dois-dois” (duas duplas). É um esporte solidário, sem a preocupação de se marcar pontos ou vencer. A definição do que deve ser o frescobol é bem expressa pelo raquetista Max ‘Índio’ Serva:

“No frescobol o objetivo não é levar o parceiro ao erro, mas sim, ter a capacidade de acertar a bola com força e precisão na raquete do outro jogador.”
“Há uma nítida diferença de estilos entre um atacante e um defensor. O atacante dá força à bola e o defensor amortece, devolvendo-a, de preferência, a uma altura um pouco abaixo do peito do parceiro.”
“O atacante tem que estar preparado para bater em qualquer área da circunferência que o braço traça em volta do corpo. A batida, por sua vez, deve ser de forma que possibilite a defesa por parte do companheiro.”
“Toda essa sequência de jogo tem que ter um ritmo, que é importantíssimo. Não se pode jogar uma bola lá no alto, outra cá embaixo, depois uma do lado direito e outra no esquerdo”.

Jornalista, escritor, poeta, dramaturgo, humorista, desenhista, tradutor e, claro, frescobolista, Millôr Fernandes (1923 – 2012) foi mais além, bem contundente, na defesa do seu esporte:

“E pro frescobol, nada? Tudo! O mais belo esporte. Ágil, elegante, simples, se joga seminu (a) junto do mar.”
“Além disso, tem uma superioridade indiscutível sobre qualquer outro esporte. É esporte mesmo, praticado pelo simples exercício do espírito lúdico.”
“Até hoje, felizmente, não apareceu nenhum idiota pra inventar contagem de pontos no frescobol. O único esporte em que ninguém ganha.”

Barato, fácil de ser praticado, dispensa campos delimitados e roupas especiais. Excelente exercício físico e ótimo entretenimento, quem joga frescobol com frequência e intensidade aprimora o tempo de resposta dos reflexos e mantém-se em forma.

Nos meios frescobolísticos confraternizam-se todos, não havendo diferenças sociais, econômicas, políticas, raciais ou regionais, nem discriminação de sexo. E muito menos, abismo de gerações. Entre os adeptos do frescobol estão, desde crianças e adolescentes, até pessoas com mais de 60 anos, misturando-se estudantes, artistas, desportistas, militares, jornalistas e profissionais liberais.

Sem sombra de dúvida (principalmente quanto pinta aquele sol abrasador de verão na orla marítima) o mais carioca dos esportes (!), comemorado em 10 de julho (dia de ‘São Frescobolino’ ?) e considerado hoje “patrimônio cultural imaterial da cidade” (rsrsrsrsrsrs – nossos edis não têm mesmo do que se ocupar), o frescobol se enquadra perfeitamente naquela célebre frase do filósofo Millôr Fernandes: “QUANDO MUITA GENTE INSISTE MUITO TEMPO EM QUE VOCÊ ESTÁ ERRADO, VOCÊ ESTÁ CERTO”.

Na época em que vivemos ir à praia tornou-se muito perigoso – um dia pode se estar vivo, outro pode se estar morto, como diria certamente Guimarães Rosa (1908 – 1967). Não se foge mais do frescobol – que se transformou num esporte ‘careta’, agora bem comportado e com regras, (im) praticável “na areia escaldante lá de cima” – mas sim dos ‘arrastões’ e dos pivetes, estes, cada vez mais preocupantes e impunes.

“Agradeço ao companheiro desportista o envio do excelente trabalho sobre o frescobol. A referida publicação fruto de ótima pesquisa vai além do interesse específico do esporte para entrar no campo da sociologia do comportamento do carioca. Parabéns. Aguardo contato pessoal. Cordiais saudações.”
MÁRCIO BRAGA (1936 -), presidente da Comissão de Esporte e Turismo da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 1984.

FERNANDO MOURA PEIXOTO (ABI 0952-C)

Nota: Jornalista, Fernando Moura Peixoto nasceu no Rio de Janeiro em 1946. Jogou frescobol durante 30 anos na Praia de Ipanema. Em 1983, escreveu e publicou na mídia impressa “Frescobol, Um Esporte Como Outro Qualquer”, cujos dados são utilizados em sítios e blogues sobre o esporte sem que lhe deem o devido crédito.

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