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LEGADO DA NOSSA MISÉRIA (parte 1) por Fernando Moura Peixoto

“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.

 A frase do protagonista defunto ao final de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” – um dos cinco livros de cabeceira do cineasta americano Woody Allen -, escrito pelo carioca Machado de Assis (1839 – 1908) e publicado em 1881, suscita as mais diversas interpretações até hoje.

O meu LEGADO DA NOSSA MISÉRIA retrata desamparados, entre sem teto, bêbados, catadores e desocupados, esparramados pelas ruas do Rio de Janeiro. É a outra face da sociedade em que vivemos, a faminta de solidariedade. Aqueles a quem olhamos todos os dias e nada fazemos para mitigar-lhes o sofrimento. A pobreza e a miséria dizem respeito a todos – governantes e governados. Teatrólogo e jornalista, o pernambucano Nelson Rodrigues (1912 – 1980) afirmava que “subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos”.

A assistente social Maria José dos Santos Peixoto, paraibana, sustenta que “a miserabilidade em nosso pais parece estar longe de acabar”.

“Não entendo do por que o estado e a prefeitura não tomam providências para combater a miséria que assola a população que está abaixo do nível da pobreza.”

“Já está absolutamente claro que as políticas de assistência social implementadas pelos entes federativos estão longe de acabar de vez com a fome; não é fome somente de comida, mas de assistência que venha reintegrar esses pobres ao seio da sociedade.”

“Parabéns pelo seu belíssimo trabalho. Sugiro que seja enviado ao Congresso Nacional, às assembleias legislativas, câmaras municipais e  conselhos de Direito, e aos governos estaduais e municipais. Além das entidades da sociedade civil.”

Destaques especiais: o triste registro de duas crianças carentes dormindo encostadas no chão, cansadas, no interior de uma loja de eletrodomésticos, após assistirem a programas de televisão com moderna tecnologia propalada em propaganda governamental: inclusão digital para todos”.  

E a senhorinha que perambula anonimamente por Botafogo, dia e noite, trocando sempre de lugar, levando sua tralha de roupas em um carrinho e o cachorro – fiel companheiro, tratado como gente -, tal qual a família de retirantes nordestinos de “Vidas Secas”, do romancista alagoano Graciliano Ramos (1892 – 1953). Na aridez da “caatinga urbana” encontra cimento, asfalto e indiferença, para depois desaparecer como surgiu.

Com imagens obtidas entre 2012 e 2043, dediquei o vídeo ao Henrique (1942 – 2013), que afirmava ser ex-taifeiro e viver há mais de 30 anos na rua – dizia isso com uma ponta de orgulho.

Ajudei-o da maneira que pude – necessitava de quem empurrasse sua cadeira de rodas para mudar de local ou lhe trouxesse refrigerantes – e obtive, em contrapartida, dicas do que estava se passando no bairro de Botafogo.

Devo a ele, entre outros, a fotografação de um ensaio vespertino da Orquestra Petrobras Sinfônica, OPES, em 2012, no interior da Igreja de São João Batista, em cuja escadaria de entrada costumava ficar (morar).

Na trilha sonora, propositadamente contrastando com o drama exibido, sambas vibrantes de Cartola, Elton Medeiros, Kid Pepe e Noel Rosa. “O Sol Nascerá (A Sorrir)”, “O Orvalho Vem Caindo” e “Com Que Roupa” embalam a trilha sonora, interpretada pelo OPUS 5Cristina Braga (harpa);  Angelo Dell’Orto (violino); Igor Levy (flauta), Paulão (percussão); Ricardo Medeiros (contrabaixo); Denílson (pandeiro) e Walter Queiroz (caixa e afoxé).

“Não é bom ministro o que somente cuida da segurança do príncipe; só é bom quem acertadamente cuida dos necessitados.”

 FRANCISCO DE QUEVEDO (1580 – 1645)

‘Política de Deus e Governo de Cristo’, 1, 16.

Fernando Moura Peixoto (ABI 0952-C)

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